Último Dia e a Amizade Começou a Sucumbir

02/07/2022

Acordamos no dia seguinte, para o que seria um dia de corre. Cheio de passeios que, por preguiça, acabamos não fazendo nos dois dias anteriores. Com as malas prontas, descemos até a recepção para nosso check-out, pedindo ao recepcionista se havia algum lugar onde pudéssemos deixar nossas malas até o início da noite. Afirmando que sim, e assim o fizemos. O primeiro local seriam as Galerias Lafayete, onde tivemos que retornar porque no sábado chegamos na hora de fechar e ficamos sem entrar. Para quem não está familiarizado com o lugar, essa galeria, na verdade, é como se fosse um shopping com as maiores marcas de luxo do mundo. Obviamente, não iríamos comprar, apenas visitar. Encher os olhos, como dizem. E eu, de chinelão havaianas. Quando eu fiz minha primeira graduação, tivemos uma disciplina chamada Marketing Internacional. Nessa matéria aprendemos sobre as diferenças culturais dos países e como fazermos para, respeitando-as, impressionar os clientes dessas nações. Lembro muito bem de ter aprendido que os franceses gostam muito do bem vestir, e meu professor havia enfatizado o uso de sapatos de boa qualidade como um item essencial ao se fazer negócios com franceses. Durante toda a minha estada em Paris, e principalmente visitando aquele lugar, eu não conseguia tirar essa lembrança da cabeça. E só me restava dar risada da situação. Eu não estava me importando, realmente. Mas os olhares direcionados para mim a todo momento e em seguida para os meus pés, acompanhados de olhares de julgamento, me fizeram aprender na prática o que meu ex professor havia me ensinado. 

Seguindo para nosso próximo passeio, e faço um adendo aqui para lembrá-los de que naquele dia, sem falta, havia levado meu chapéu. Dessa forma, seguimos até a torre para a tão aguardada foto do alto de Paris com o meu "chapeau". Em frente a bilheteria, meu primo me avisa que havia trazido a bandeira. E eu, sem sangue, branca, olhei para ele. Gente, eu não estava acreditando. Mas ok, tínhamos muitos lugares para ir. Não poderia me dedicar a essa briga naquele momento. O Jardim de Luxemburgo foi nosso próximo destino. Passeamos, tiramos mais e mais fotos e esse era um lugar que eu queria apreciar por algumas horas. Então, próximo a uma árvore linda, coroada com aqueles musgos que descem longos em direção ao chão, mais parecendo as barbas de um velho druída, nos sentamos aos pés dela. Com nossa inseparável, e naquele momento, novamente amada, bandeira. Uns minutos se passaram, aos quais um casal juntou-se a nós, também descansando na relva, fomos educadamente retirados de lá, pelo o que eu acredito ser, responsáveis pelo jardins. Uma espécie de segurança ou guarda Belo. Algo assim. Havia cadeiras ao longo das "passarelas" ou "caminhos" e esse deveria ter sido um indício para que nós entendêssemos que não era permitido usar o gramado. Embora não tão mágica quanto a grama, a cadeira também serviu aos nossos intentos. Pudemos ficar mais alguns minutos apreciando a beleza daquele lugar. 

Reenergizados, seguimos até o McDonald 's no outro lado da rua, tentando roubar o wi-fi deles. Eu queria encontrar a City Pharma e precisava de internet. Pedi um sorvete e um suco para não parecer deselegante usando a internet deles assim, sem consumir nada. Citypharma é uma farmácia conhecidíssima que vende produtos de beleza a preço de banana. Quase! Também não é assim. Tipo, eles tem produtos avulsos que são pouca coisa mais baratos, mas os combos ou as embalagens família, realmente são bastante vantajosos de comprar. Achamos a farmácia, mas o que foi engraçado foi ver meu primo bravo comigo de tanto que eu reclamei daquele chapéu o dia inteirinho, pegá-lo da minha mão e colocar na cabeça, passeando por Paris com o chapéu de feltro quentíssimo, como se não fosse uma cena cômica vê-lo com o acessório que era muito feminino. A propósito, esse foi um tema importante durante o passar de todo o dia. O Chapéu. Eu reclamei dele, o Dudu reclamou dele. Mais reclamações devido ao fato de não ter subido na Torre para a foto com ele. O fato é que eu poderia ter usado ele em outro cenários também, mas a minha ideia era tão forte na minha cabeça que eu nem pensei em outras situações. Mas não posso só falar mal, do tal do chapéu. Ele me ajudou também, em momentos em que caminhava no sol, eu colocava ele ao atravessar uma avenida. Enquanto estávamos andando na calçada, tinha a sombra das árvores, eu tirava ele, porque pensa, feltro no sol. Senhor! Mas amém. Sobrevivemos com o chapéu. Comprinhas feitas, seguimos caminhando e decidimos cruzar o rio, entrando assim, na Ilê de la Cité: fomos a Notre Dame. Engraçado pensar que o nome da Igreja na tradução é Nossa Senhora. Catedral da Nossa Senhora. Eu sinceramente fico boquiaberta com a beleza arquitetônica dessas construções. As gárgulas. Para mim, são assustadoras. Eu até tentei fazer um vídeo delas, mas ficou ruim e por isso deletei. Ficamos alguns minutos na praça em frente à Catedral e cruzamos a ponte à esquerda da igreja. 

Um dos lugares que eu queria muito ir, era a livraria mais antiga de Paris: Shakespeare and Company. Mas devido à falta de tempo, tirei ela da agenda com muita dor no coração. Quando cruzamos a ponte depois da visita à Notre Dame, eu vi alguns músicos de rua tocando em uma calçada e algo me atraiu até eles. Finalizaram a música e se despediram do público. O pessoal começou a dispersar e eu fiquei triste, porque queria assisti-los e cheguei tarde. Com isso em mente, levanto os olhos e vejo uma fachada com um toldo verde e alguns livros. Era a Shakespeare and Co. Eu quase pulei de alegria. Era o destino. Agora não tinha desculpa. Eu precisava entrar. Queria muito comprar um livro lá, e realmente entrei com esse intuito. Impossível. Eram tantos, mas tantos livros que eu mal conseguia enxergar algo de fato. Claustrofóbica. Apertada. Empoeirada. Mas ainda assim, extremamente charmosa. Eu subi as escadas íngremes até o segundo andar e logo no primeiro corredor encontro um homem lindíssimo, mas um cheiro insuportável. Sim. Literalmente ele havia peidado. Eu não consegui ficar ali. Dei a volta imediatamente e desci. Comprei um postal com uma foto antiga de lá e embora não tenha comprado o livro, fiquei tão satisfeita quanto. Só a lembrança do homem peidando que me acompanha em cada vez que penso naquele lugar. Ele maculou a minha memória de um lugar tão especial. E nem sabe disso. Tadinho!

Mais uma vez, cruzamos o rio agora para o outro lado da cidade, passamos pelo Hôtel de Ville (que é a prefeitura de Paris) e entramos em umas ruelas, procurando o L'As du Fallafel. Diz-se que esse é o melhor Falafel de Paris, então eu queria provar. Pedimos o sanduíche e confesso que gostei mais do bolinho do que do sanduíche inteiro. Por mim, comeria só as bolinhas deliciosas de grão de bico. Eu não dei conta de comer tudo. Então fiz exatamente isso: separei os faláfeis e os comi separadamente. Eu ainda tinha mais um endereço culinário para ir. Alí pertinho. Pierre Hermé. Fomos até a loja de macarrons, também considerada a melhor de Paris e compramos alguns deles.           

O empanturramento de falafel me impediu de comer as deliciosas iguarias francesas. Se é que posso chamar assim. Guardei-as para mais tarde. Já era hora avançada e por essa razão achamos melhor retornar ao hotel e buscar nossas malas. Nosso plano, era pegarmos um ônibus até Amsterdam à meia-noite, pois assim, passaríamos a noite em viagem, economizando uma diária de hotel. O fato é o seguinte: quando eu planejei a viagem, ainda no Brasil, eu já reservei tudo o que precisaríamos. Passagens, diárias, enfim, tudo. Mas como eu nunca havia estado em Paris, não sabia ao certo onde ficaria nosso hotel e nem se haveria ou não alguma rodoviária próximo dele, conversei com meu primo e achamos melhor deixarmos para comprar somente a passagem de ônibus de Paris à Amsterdam quando estivéssemos juntos. Depois que eu chegeui em Portugal, conversamos novamente e achamos por bem deixamos para comprar a passagem quando estivéssemos em Paris. Porque assim, primeiro nos ambientaríamos, veríamos onde a gente iria estar e escolheríamos qual dos pontos de partida dos ônibus internacionais ficaria mais viável para írmos à partir de onde estivéssemos. Ok. Lindo na teoria. Na prática foi o seguinte: esquecemos da passagem. Existem três pontos da cidade de onde saíam essas conduções para a Holanda. Um, que era o mais próximo do nosso hotel, não dispunha dos horários com os quais queríamos ir. Ou seja, só haviam horários mais cedo. O que acarretaria na nossa chegada no final da noite e por consequência na necessidade de uma diária extra. Paris é um caracol, como eu expliquei para todos vocês em um dos episódios anteriores, e as outras duas estações rodoviárias ficavam nas duas extremidades, sendo separadas uma da outra pela cidade inteira.   

A) Porte Maillot e B) Gallieni
A) Porte Maillot e B) Gallieni

Tivemos uma conversa durante nossa estadia na cidade e resolvemos que iríamos para Gallieni. Tudo certo, malas (e chapéu) em mãos, mochilas nos ombros e diversas bolsas e sacolas, partiu metrô rumo a rodoviária. Estávamos com tempo, ainda era início da noite quando decidimos ir e sabíamos que tínhamos que esperar bastante. Desembarcamos do metrô na plataforma indicada, subimos as escadas e no momento que as portas se abriram para passarmos meu primo foi primeiro (nesse metrô não havia catraca, mas sim portas estilo velho oeste, que abrem e fecham como duas abas que se encontram no meio). Dudu passou e eu me ajeitei para passar, mala na frente sendo empurrada, mochila no ombro, entrei de ladinho para conseguir me espremer entre aquelas portas estreitas. A porta abriu, eu fui passando, e quando já estava do outro lado, a porta zupt: fechou! Ahhhhh, mas ela não só fechou. Ela "mordeu" o meu chapéu. o bendito ficou preso por entre as portinholas. Elas eram de metal e quem diz que eu consegui tirar. Primeiro dei uma puxadinha de leve. Nada. Puxei mais forte. Nada. Larguei as malas, mochilas e bolsas no chão e puxei, feito um cabo de guerra, deslocando meu peso para trás. O bebezinho nem se mexeu. Dudu veio me ajudar, mas nada adiantou. Nós ríamos muito. E tudo o que pudemos concluir era: a revolta do chapéu. De tanto que falamos mal dele, reclamamos dele o dia inteirinho. Ele se recusava a deixar a França. Decidi fazer a vontade dele. Disse para meu primo: "Não tem o que fazer. Vamos em frente." Peguei as minhas coisas, me endireitei, mochila nos ombros com aquele tradicional "saltinho", e segui meu caminho. E nós ainda rindo. Quando tínhamos nos afastado uns 50 metros aproximadamente alguém passou pela porta e ao abrir libertou meu chapéu. Meu primo olhou para trás e disse que a mulher havia pego ele. Ele ainda me perguntou se eu queria que ele fosse lá buscá-lo. Eu disse que não. Se o chapéu não me queria, eu também não o queria mais. 

Demorou para acharmos o lugar onde vendem os bilhetes. O lugar indicado parecia um centro comercial e ficamos zanzando por ele tentando achar uma rodoviária. Mal sabíamos que a rodoviária era, na verdade, uma espécie de estacionamento (dessa ver coberto) onde os ônibus estacionam. Apenas isso. Andamos, andamos e reandamos pelos mesmos lugares até que finalmente encontramos. Ficamos na fila para comprar os bilhetes, acredito que aproximadamente uns 30 minutos. Chegou nossa vez e nos dirigimos ao caixa. Pedi duas passagens para Amsterdam. Na verdade era uma cidade próxima de lá ou um bairro mais afastado. Não entendi muito bem. A gente nunca entende como funcionam os bairros, distritos, condados, enfim, as divisões em outros países. Pelo menos eu não. Mas chamava Sloterdijk. Muito bem: Two tickets to Amsterdam on the 11:53 pm bus, please! Não temos mais bilhetes para Amsterdam hoje, Senhora! Oi? Como assim? As passagens para Amsterdam nos ônibus de hoje esgotaram. Somente no horário das sei lá que horas da madrugada. Tudo bem. Era uma opção. Mas perderíamos a manhã de passeio e já ficaríamos tão pouco tempo lá. Pensei em Port Maillot, que ficava do outro lado da cidade. Era uma opção. Saímos de lá e enquanto caminhávamos para a estação de metrô, sentei num meio fio de uma das ruas, com as malas em volta de mim e meu primo do lado, lembrando de um filme antigo que eu adorava e pensando que, assim como os personagens daquele filme talvez teríamos que passar a noite ao relento. Eu estava tranquila, precisamos estar em Schiphol dia 22. Era isso que me alentava. Se perdêssemos as diárias, tudo bem. Azar, mas menos mal. Enquanto isso, na cabeça do meu primo: Caos, gritaria e desespero. Ele já nos via voltando para Faro a pé. Claro que não. A passagem de Faro a Paris me custou € 21,00 e a de Amsterdam a Faro me custou € 50,00. Então se precisássemos comprar uma passagem para Faro saindo de Paris, seria bem barato. Apenas perderíamos o dinheiro das diárias e das passagens da Holanda, que já estavam pagas. Entrei no site, com medo de não haver mais passagens saindo de Port Maillot também. Dizia que ainda haviam bilhetes com saída de lá. Tivemos receio de chegar lá e não ter mais. Iniciei a compra pelo site. Antes de finalizar, lembrei que não tínhamos como imprimir os bilhetes e fiquei com medo de não conseguir embarcar sem eles impressos. Desisti. Pegamos o metrô e em menos de 20  minutos atravessamos Paris até a estação de metrô mais próxima de onde teríamos que ir. Transporte de qualidade é assim (a cada sete minutos tem metrô passando para toda e qualquer estação que você precise ir). Quem sabe algum dia, hein Brasil? Lembro do nosso desânimo na viagem até lá. Lembro que em certo momento um músico de rua entrou no vagão. Já tínhamos visto ele antes, na verdade algumas vezes. Fiquei olhando ele tocando seu violão durante o percurso. Em pé. Se equilibrando apoiado pelas costas em um dos pegadores. Entrou um homem, atleta dava para ver. Achei ele muito bonito. Era como se essa viagem tivesse sido suspensa no tempo. Como um portal. Ao desembarcar, fomos até um ponto de táxi, porque teríamos que ir até a rodoviária que não era tão próxima e queríamos garantir que chegaríamos o quanto antes. Por sorte, tinha um carro disponível. Colocamos as malas no porta-malas e o motorista nos perguntou onde queríamos ir. Eu respondi em inglês e ele respondeu que não falava inglês. Tá de brincadeira comigo, ô comédia! Comédião! Num to acreditando. Os franceses são terríveis (menos o Christoff. Hastag coração). Mostrei pelo celular e ele enfim entendeu, nos levou até lá em minutos. Era o mesmo lugar onde chegamos em nosso primeiro dia. Aff. Não tinha bilheteria lá. Compravasse a passagem direto com o motorista. Achamos o nosso e pedimos dois bilhetes. Ele respondeu: "São € 70,00 cada". E eu: "Desculpa, Senhor"! Ele: "€ 70,00 cada. € 140,00." Puta que o pa*iu. Desculpa gente. Mas no site eu teria comprado por € 25,00. Detalhe: eu havia pago a viagem para o meu primo. Diárias e passagens. Afinal, ele já havia estado em Paris e eu insisti para ele me acompanhar porque não queria vir sozinha. Mas acordamos que os gastos com alimentação e a passagem de ônibus até Amsterdam ele pagaria a sua própria. Então, pensa como ele ficou bravo comigo. Ele já estava puto, agora então. Mas enfim, o que não tem remédio, remediado está. Pagamos os € 70,00 (só para deixar ainda mais marcado na mente de vocês), e esperamos a hora da saída. Enquanto aguardávamos, puxei conversa com uma menina que também estava indo para lá. Ela era francesa e namorava um holandês. Então viajava frequentemente por essa rota. Ela tinha o bilhete comprado online, e claro, como pessoas normais do século atual costumam fazer, não estava impresso. Ela tinha o e-ticket e apenas o apresentava com o QR-Code para o motorista. Eu não acreditei como fui burra. Gente! Poderia ter comprado online e pago os mesmos € 25,00 que todo mundo pagou. Eu e Dudu nos sentamos longe um do outro. Nem queríamos papo. Me ajeitei como pude. Coloquei as pernas no banco do lado. Peguei minha mochila para usá-la como um pseudo-travesseiro e passei a noite num tal de cochila e acorda, cochila e acorda constante. Apesar de tudo, eu amo viajar de ônibus e ficar olhando a paisagem. Numa das vezes que acordei, já estava clareando o dia, e eu aproveitei para apreciar os verdes campos holandeses. Aquele friozinho semi-nórdico. Começou a dar uma fome. Na mochila, encontrei o pacote de macarrons. Estavam só migalhas. Devem ter sido amassados na viagem. Chegamos no local do desembarque, era uma beira de estrada. O motorista praticamente nos largou no meio da BR. Lá não deve se chamar BR, mas vocês entendem, não é?    


Autor

Fabih Silva

Próximo Episódio: Dormindo no Vondelpark

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